18.10.10

Cuidado com o bicho-papão!


Não lembro se quando eu era criança me assustavam com o bicho papão. Eu tinha medo do escuro e me encarregava de criar os meus próprios monstros, que acredito eram muito mais assustadores do que o do tal bicho-papão. Pois é, na minha época, se usava assustar as crianças para elas obedecerem...
Lembrei disto lendo as manchetes a respeito do primeiro debate entre Dilma e Serra na Band. O coro dizia mais ou menos assim:“Como ela foi agressiva!”.
Será mero acaso estarem repetindo, repetindo, repetindo o que o Serra disse inúmeras vezes durante o debate? Parece que não. Está na cara que isto faz parte da campanha para transformar, a todo custo, a Dilma num baita de um bicho-papão!
E pra que isto aconteça, qualquer motivo serve, porque o motivo é o que menos interessa.
 udo isto nós, os eleitores de Dilma, já vimos no primeiro turno. E nos chocamos, nos indignamos, comentamos entre nós, fomos para a internet postar e/ou enviar desmentidos, lemos os blogs que apoiam a nossa candidata, enfim, falamos e parece que continuamos falando para nós mesmos... 
Agora chegou a hora dar uma pausa na nossa indignação e partirmos para a ação.
Gente, nós ganhamos no primeiro turno!
Se acreditamos nas pesquisas, se pensamos que a eleição estava resolvida, se nos frustramos, tá bem, mas temos ainda duas semanas pela frente, a eleição não acabou.
Será que estamos deixando que esta ida para o segundo turno se transforme no nosso bicho papão?
 Agora a nossa prioridade tem que ser conseguir votos para Dilma!
À nossa volta há muita gente, bem próximos de nós há muitos votos a serem conquistados.


Vamos conseguir os votos dos que votaram na Marina, no Plínio (e nos outros candidatos), dos que ainda estão indecisos, dos que estão pensando em anular o voto, dos que caíram no conto do bicho-papão, estão com medo da terrorista Dilma-comedora-de-criancinhas e vão votar no Serra por isto. Vamos conseguir estes votos!

15.9.10

Quem sabe paramos pra pensar?




   Tenho recebido mensagens de alguns amigos assustados com a possibilidade de termos Dilma como presidente do Brasil. Em sua maioria, estas mensagens são carregadas de raiva e  escárnio, sem nenhum resquício de debate político, de projetos e/ou de idéias.


   Se as informações que as mensagens contêm são verdadeiras ou não, parece que não interessa, mesmo para aqueles que acusam os políticos de mentirosos. São passadas adiante muitas e muitas e muitas vezes e acabam se tornando “verdadeiras”.  Vou votar na Dilma. Não sou imparcial e não acredito na imparcialidade de ninguém. Sejamos padres, jornalistas, “celebridades”, todos temos posição. Penso que, até mesmo ao não nos posicionarmos, estamos tomando posição.


  É impossível sermos imparciais porque temos sentimentos, desejos e opiniões. Por isto, no mínimo, deveríamos nos preocupar em saber de onde vem a informação, principalmente porque a internet é uma fonte de lendas.


   Mas, não é isto que está acontecendo. Se é contra a Dilma e contra o Lula, então é verdade!


   Alguns exemplos:   - “Dilma não pode entrar nos EUA porque foi condenada lá pelo seqüestro do embaixador americano nos anos 60”. Ela não só não participou da ação (até a Veja sabe disto), como já esteve duas vezes naquele país e até encontrou-se com Obama, com direito a foto (à disposição via google);


  - “Dulce Maia, que jogou uma bomba no consulado norte-americano em São Paulo, ferindo um jovem, era Dilma”. Dulce Maia existe, mora em Cunha/ SP e não participou do seqüestro (conforme noticiou Elio Gaspari na FSP em 2008, tendo depois se desculpado). Somente três homens participaram e suas identidades são públicas. Dulce processou o jornal por danos morais e ganhou a causa.


   As pessoas acreditam em tudo! Pessoas que tiveram educação, que têm acesso à cultura, que sempre tiveram e têm roupa e sapato no inverno, comida farta na mesa, que viajam nas férias, que se consideram bem informadas e cultas, cujos filhos e netos estudam em escolas caras, acreditam em tudo! Fico pasma...


   Me preocupa o envio destas informações mentirosas, como se fossem verdadeiras. Não porque podem prejudicar a eleição de Dilma, mas porque isto demonstra o quanto podemos perder nossa racionalidade e ficar, se não cegos, míopes.


   Querem ver como é fácil?   Quem de nós sabe ou se lembra que o problema de quebra do sigilo fiscal que embasou o absurdo pedido de impugnação da candidatura de Dilma aconteceu em 2009 quando ela ainda não era candidata? E que abrange os dados de cerca de 140 pessoas? E que a corregedoria da Receita Federal já havia aberto o inquérito que “aponta para um esquema de compra e venda de informações, sem nenhum envolvimento do governo ou partidário, com pagamento de propinas pelo acesso à renda de alguns endinheirados”?


    Quem de nós sabe ou se lembra que o Serra também foi exilado e anistiado (portaria nº 2.543, de 18 de dezembro de 2002) e se aposentou como professor da Unicamp graças ao tempo de serviço concedido nesta portaria (“... conceder-lhe a contagem de tempo de serviço de janeiro de 1966 a fevereiro de 1978, excluindo-se o ano de 1975 totalizando 11 anos e 29 dias”)?


   Quem de nós sabe ou se lembra que o “mensalão” foi criado pelo PSDB, em 1998 na campanha do então governador mineiro e atual senador Eduardo Azeredo, que está sendo processado como um dos principais mentores e principal beneficiário do esquema implantado? Porque será que para a imprensa não existe o “mensalão” do PSDB, só o do PT?


    Quem de nós sabe ou se lembra do escândalo da compra de votos pelo governo FHC, em 1997, para possibilitar a aprovação da emenda da reeleição? E havia gravações de conversas de deputados que diziam ter vendido seus votos para aprovar a reeleição por R$ 200 mil cada um, e acusavam outros de terem feito o mesmo. Dois deles renunciaram, e o governo abafou uma CPI...


   Quem de nós sabe que no “Relatório de Monitoramento Global 2010” da Unesco/ONU, o “Bolsa Família” é considerado uma “medida eficiente para reduzir os déficits de financiamento da educação e os problemas de aprendizagem causados pela desnutrição dos alunos”? 

Pois, para Kevin Watkins (da Unesco e coordenador do relatório), “O Brasil e a comunidade internacional ainda não se deram conta da importância e do impacto de um programa como o Bolsa Família". E não é que ele tem razão?


  Certamente se nós, da classe média, tivéssemos menos medo da verdadeira democracia, que torna possível o acesso de todos os brasileiros à educação, saúde, segurança e habitação (palavras que se tornaram chavões nas campanhas eleitorais), e tivéssemos interesse em aceitar e conviver com as diferenças, não passaríamos adiante tantas “verdades” não comprovadas! Mas, para isto, necessitamos das discussões sobre idéias, que andam muito escassas.



10.9.10

Chile 11 de setembro de 1973




Maria Lucia tinha 25 anos e estava lá.
Queria construir com o povo chileno o tão sonhado mundo novo.
Seu sonho era o mesmo de muitas e muitas pessoas pelo mundo afora.

Em 1970, Salvador Allende foi eleito presidente do Chile e, como a lei mandava, teve sua eleição ratificada pelo Congresso.
Venceu o projeto da Unidade Popular que defendia uma sociedade com justiça e liberdade.
Era a chamada “Via chilena para o socialismo”, calcada na ordem democrática e na participação popular.
Em 1971, quando Maria Lucia chegou lá, encontrou um país em efervescência.
Os chilenos a receberam carinhosamente, como uma “hermana latinoamericana”.
Ela vinha do Brasil, pais das perseguições, da tortura...
Trazia o medo impregnado e a vontade de ser feliz!

Allende nacionalizou as minas de cobre (a principal riqueza do país), passou as minas de carvão e a telefonia para o controle do Estado, aumentou a intervenção nos bancos e fez a reforma agrária.
Para os latino-americanos pobres, ele era a própria esperança.
Para o governo dos americanos do norte, ele era uma ameaça.

No Chile, Maria Lucia soube o que era mobilização e organização popular de verdade.
Todos queriam contribuir para que um novo futuro se tornasse realidade.
E Maria Lucia vibrou, o povo tinha voz e sua voz era ouvida!
Estudante da Universidad de Concepción, sentia-se “fazendo parte”.
Fez muitos “compañeros” chilenos e de todas as partes do mundo.

Em março de 1973, nas eleições parlamentares, aumentou o apoio a Allende e à Unidade Popular.
Mas, crescia também a pressão contra o governo eleito e seu projeto socializante.
Os sindicatos patronais do transporte rodoviário faziam greves e fechavam estradas, causavam o desabastecimento nas médias e grandes cidades do país.
Havia boicote por todo lado e a classe média estava assustada.
A oposição golpista se organizava e crescia.
Allende estava indo longe demais e em 11 de setembro de 1973, venceu a estupidez.
E assim, acabou o respeito à lei, acabou a liberdade, a solidariedade, o futuro.
Acabou o sonho do mundo novo!
Hoje sabemos o quanto outros países e grandes multinacionais colaboraram, estratégica e financeiramente, para a vitória do golpe.

Maria Lucia foi levada para o Estádio Regional de Concepción. Não a acusavam de nada, mas a detiveram por ser brasileira, sinônimo de esquerdista.
Com centenas de pessoas, esteve presa na Quiriquina, uma ilha da Marinha.
Foi por pouco tempo, é verdade, somente por três dias, mas foi assustador.
Soube depois, que teve muita sorte em sair de lá.
Nunca estivera tão perto da morte.

Pinochet tomou o poder.
Milhares foram presos, torturados, mortos e desaparecidos por apoiar um governo eleito.
Milhares foram presos, torturados, mortos e desaparecidos por querer justiça social.
Milhares foram presos, torturados, mortos e desaparecidos por querer igualdade de oportunidades para todos.
Milhares foram presos, torturados, mortos e desaparecidos por querer o impossível?

E Maria Lucia nunca mais voltou a ser quem era.
Da maioria de seus amigos chilenos, nunca mais teve notícias.
Com o golpe a jovem tornou-se adulta e a tristeza do sonho desfeito jamais a abandonou.

7.6.10

a voz do violão

Pra minha surpresa, esta gravação caseira da música do Francisco Alves e Horácio Campos, já foi vista 1822 vezes!
Obrigada, querido Francisco Castro.

6.6.10

gauchadas

Pode ser que meus conterrâneos do Rio Grande do Sul, não permitam mais a minha entrada no estado. Mas, tomara que isto não aconteça. Tenho muitos queridos e queridas por lá!

A cidade do sapo enterrado

Era uma vez uma cidade onde algum mal humorado enterrou um sapo.
Ela não é nem grande nem pequena, nem excepcionalmente bonita nem feia, mas seus habitantes acreditam que vivem na melhor cidade do mundo...
Na cidade do sapo enterrado nasceu a maior cantora do país, mas até hoje (27 anos depois da sua morte) nenhuma rua foi batizada com seu nome e há uma estátua horrorosa, feita em sua homenagem, que vagou durante um ano, de um lado para o outro, até acharem um lugar para ela.
Na cidade do sapo enterrado nasceu um grande músico, que revolucionou a música popular brasileira, maestro reverenciado pelos maiores músicos do país. Mas, além dele também não ter rua e nem mesmo estátua, na cidade ninguém sabe quem ele foi.
A cidade do sapo enterrado reverencia o seu grande romancista, o seu grande poeta, o seu grande compositor popular, o seu grande pintor, o seu grande cronista, todos reconhecidos nacionalmente. Interessante é que todos têm uma mesma característica, moram na cidade.
Parece que seus habitantes não suportam os que a abandonam para fazer sucesso mundo a fora. Até podem sair, mas desde que usem as roupas típicas e continuem tendo o sotaque regional.
Na cidade do sapo enterrado nasceu um jogador de futebol que já ganhou vários prêmios e, no mínimo, duas vezes o título de “Melhor do Mundo”, mas o time que o formou, o rejeita! Também, quem mandou ir embora?!
A cidade do sapo enterrado tem uma orquestra sinfônica (da qual seus habitantes dizem ter orgulho!) que foi fundada em 1950 e que até hoje não tem nem sede e nem teatro.
Na cidade do sapo enterrado está uma das mais importantes e conceituadas faculdades de arquitetura do país, mas foi preciso buscar um arquiteto europeu para que houvesse nela um prédio de reconhecida qualidade...
Na cidade do sapo enterrado, antigamente, havia animados carnavais nos bairros. Hoje ela tem um “sambódromo”, quase fora de seus limites físicos, onde é imitado o carnaval do Rio de Janeiro. Havia também festas de São João, na rua, nas escolas, nos clubes, mas hoje só se festeja o rélouim.
Nela há um lindo teatro público que tem uma dona mandona e todos estão convencidos de que, sem ela, o teatro não existiria.
Mas, nada disto tem importância porque a cidade do sapo enterrado tem o mais lindo pôr-do-sol do mundo...

Glossário:

1. cantora: Elis Regina;
2. maestro: Radamés Gnatalli;
3. o romancista: Erico Verissimo;
4. o poeta: Mario Quintana;
5. o compositor popular: Lupicinio Rodrigues;
6. o pintor: Iberê Camargo;
7. o cronista: Luiz Fernando Verissimo;
8. a orquestra: OSPA;
9. jogador de futebol: Ronaldinho Gaúcho;
10. time que o rejeita: não nomeio nem morta!
11. prédio de qualidade: Museu Iberê Camargo;
12. teatro público: Theatro São Pedro;
13. cidade do sapo enterrado: quem adivinha?...


Escrito em 2008. Publicado no www.previdi.com.br em setembro de 2009 e no http://www.sul21.com.br em maio de 2010.


Que mico!

Não entendo nada de futebol, mas como meu pai sempre foi torcedor fanático do Internacional, aprendi a gostar e, de vez em quando, assisto a um jogo na TV. Por conta do marido gremista, vi o jogo do Grêmio contra o Santos. Ao ouvir o repórter dizer que os gaúchos cantaram o Hino do Rio Grande do Sul, ao mesmo tempo em que era cantado o Hino Nacional, me enchi de vergonha.
No dia seguinte, estava no site da ESPN/Br que, além disto, como réplica à torcida santista que gritava “o imortal morreu”, os gaúchos chamaram os santistas de “filhos de nordestinos”, de “povo sem cultura” e depois cantaram novamente o hino do nosso estado.
Intencionalmente, escrevo gaúchos e não gremistas, porque é assim que fica para o resto do Brasil. Basta dar uma olhadinha em alguns dos quase 300 comentários dos internautas.
Que mico, meu Deus!
Durante quase dez anos morei fora do Rio Grande e, mesmo no exterior, convivi com gente dos mais diversos estados do Brasil.
Foi uma belíssima experiência!
Nunca quis ser diferente dos habitantes do lugar em que estava vivendo, muito pelo contrário. Quanto mais me mimetizava melhor (na época do golpe de Pinochet, consegui me safar da Dina, a polícia política, porque pensaram que eu era chilena).
Em 1981, quando retornei para Porto Alegre, algumas coisas esquisitas me chamaram a atenção. Como gosto muito de música, e era (e sou) fã da Elis, me pareceu estranho o pouco caso com que era tratada. Todo o Brasil a reverenciava, mas para muitos gaúchos ela era uma traidora porque, entre outras coisas, perdeu o nosso sotaque.
Mas, bah chê!
Com o passar do tempo, vi novos hábitos se estabelecendo: a popularização do chimarrão entre os jovens e a criação de bares onde só se executava música nativista, entre outros. Vi também o crescimento de um sentimento (?) novo para mim: o orgulho de ser gaúcho. Os conceitos de nativismo, tradicionalismo e gauchismo tornaram-se importantes temas de debate, estabeleceu-se uma espécie de louvor à tão decantada identidade do gaúcho.
O MTG vai ganhando força, com a pretensão (conforme está em sua Carta de Princípios) de “promover, no meio do nosso povo, uma retomada de consciência dos valores morais do gaúcho”.
Ué, então quer dizer que existem valores morais específicos dos que nasceram no nosso estado?
Os festejos da Semana Farroupilha se tornaram mais importantes do que a Semana da Pátria, o “orgulho gaúcho” tomou conta de corações e mentes e, enquanto isso, nosso Estado entrou em um período de declínio.
Surpresos, descobrimos que temos políticos corruptos e servidores públicos desonestos; que já não é unânime a nossa condição de “celeiro do país”; que o nosso ensino não é mais o melhor do Brasil; que também temos a nossa própria “guerra do tráfico” e crimes políticos. Enfim, vemos (ou deveríamos ver?) que o nosso estado tem os mesmos problemas do restante do país. Se algum dia fomos, hoje não somos os melhores!
Dá tristeza pensar que estamos recorrendo à arrogância para não encaramos nossos problemas.
O comportamento dos gaúchos ontem, no jogo Santos x Grêmio, desrespeitando a execução do Hino Nacional e sendo preconceituosos com os nordestinos, será uma demonstração desta arrogância?
Fico com medo de onde isto pode nos levar. Afinal, a "Carta de Princípios” do MTG, aprovada em 1961 e ainda em vigor, diz ser um dos objetivos daquele movimento: “Buscar, finalmente, a conquista de um estágio de força social que lhe dê ressonância nos Poderes Públicos e nas Classes Rio-grandenses para atuar real, poderosa e eficientemente, no levantamento dos padrões de moral e de vida do nosso Estado, rumando, fortalecido, para o campo e homem rural, suas raízes primordiais, cumprindo, assim, sua alta destinação histórica em nossa Pátria.”
publicado no http://www.sul21.com.br em maio de 2010