29.5.11

Gordos do mundo, uni-vos!

Texto de Antonio Prata, publicado na Folha de São Paulo em 27.4.2011. 
Adorei!

  

A SEGUNDA METADE do século 20 assistiu à fragmentação das lutas e ao alargamento dos direitos: os negros se organizaram, as mulheres se organizaram, os judeus se organizaram, os gays se organizaram -até os ruivos, ouvi dizer, têm associações contra o preconceito cromocapilar que, parece, sofrem por aí.


     Ótimo. Hoje, o sujeito pensa duas vezes antes de pintar suásticas ou enfiar um cone branco na cabeça, vestir os lençóis da cama e sair queimando cruzes pelas ruas. O problema é que sobrou uma única minoria, desarticulada e sem líderes, tomando na cabeça todos os cascudos que os últimos séculos dividiram entre os grupos supracitados: os gordos.


     Na supremacia magra em que vivemos, já não se medem mais crânios para atestar a superioridade de ninguém, medem-se abdomens. O gordo, hoje, anda com os ombros curvados e os olhos baixos, como o judeu na Alemanha, em 1933, os negros, durante o Apartheid, uma mulher ou um gay num ônibus, tomado pela Gaviões da Fiel. Ainda não há campos de extermínio para obesos nem leis impedindo seu ir e vir, mas, pelas esquinas e mesas de bar, pelas praias e parques, podem-se ouvir os cochichos, cada vez menos discretos: "Deus do céu, será que ele não tem vergonha na cara?!", "Devia ser proibido uma mulher dessas usar biquíni!", "Se fosse um filho meu, internava num SPA!".


     A ciência decretou, a moda difundiu, nossos superegos aceitaram: gordo é errado. Gordo é um descontrolado -e o autocontrole, hoje em dia, é tudo. Prega o espírito de nossa época que cada um de nós é uma empresinha a ser racionalmente administrada, e, no balancete diário de nossos corpos, o acúmulo de calorias é como um deficit econômico.


O gordo é um latifúndio improdutivo, máquina parada, ciclo vicioso.     Ok: o brasileiro anda comendo mal. De fato, cada degrau que ascendemos na escala social é um buraquinho que alargamos no cinto. É bom que o governo faça campanhas por hábitos mais saudáveis, que as escolas ensinem educação alimentar, que meu querido Drauzio Varella nos lembre que nem só de papilas gustativas vive o homem; que, de coxinha em coxinha, nossas artérias vão acabar entupidas como a avenida Rebouças, às 6h da tarde.


     O preconceito, contudo, essa campanha raivosa que trata a todos aqueles que não se encaixam no diet-zeitgeist como se fossem poltergeists, não nasce da preocupação com o outro. É o ressentimento que faz com que as bocas que se fecham tão estoicamente à comida abram-se vorazmente para maldizer os gordos. Pois o gordo, meus caros, é o novo libertino. Quando o sexo era proibido, a prostituta era "feita pra apanhar", era "boa de cuspir". Hoje, com o sexo como totem e o torresmo como tabu, os que trocaram a penitência diária pelas abdominais e a hóstia pela granola, buscando a transcendência pela contenção, ficam indignados com a banha alheia. Por que é que eu preciso sofrer tantas privações, pensam eles, enquanto outros podem viajar na maionese?


     Gordos do mundo, uni-vos! Ostentais as panças com orgulho. Há em vosso guloso descontrole uma nota de revolta contra um mundo que encolhe; um mundo que, cada vez mais, quer menos -em todos os sentidos.

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